sábado, 27 de agosto de 2011

Crase - Erhi Araújo


colhi!
nesta flor é semelhante à que lhe dei
escolhi, mas
se, não irei à festa
obedecerei
às suas ordens, às avessas
voltarei!
mesmo às pressas,
não como cheguei!
arrisquei-me às vésperas
nem dormi nem deitei
sequer um braço a encostei
à janela desenhara seu rosto
e senti teu gosto,
e senti!
senti seus as.

Pássaro Alheio - Cézar Ubaldo

 
Doce pássaro alheio do sertão,
entre mortos que florescem deste chão,
como um canto proibido,
como um pranto incontido
abre as asas e vem ver,
como se fosses o olhar do mundo,
essa dor, essa gente, esse amor
sangrando n’uma manhã sem fim…

Caio Fernando Abreu


"...Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante..."

Fernando Sabino

De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que ele estava sempre começando,
A certeza de que é preciso continuar e
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo,
Fazer da queda um passo de dança,
Do medo uma escola,
Do sonho uma ponte,
Da procura um encontro.

E assim terá valido a pena existir!

Fernando Sabino, do livro "Encontro Marcado"

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Saudade - Patativa do Assaré


Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.

Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.

Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.

Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente.

A saudade é jardineira
Que planta em peito qualquer
Quando ela planta cegueira
No coração da mulher,
Fica tal qual a frieira
Quanto mais coça mais quer.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

À Beira de Água - Eugénio de Andrade


Estive sempre sentado nesta pedra escutando, por assim dizer, o silêncio. Ou no

lago cair um fiozinho de água. O lago é o tanque daquela idade em que não

tinha o coração magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo, dói tanto! Todo o

amor. Até o nosso, tão feito de privação.) Estou onde sempre estive: à beira de

ser água. Envelhecendo no rumor da bica por onde corre apenas o silêncio.


Os Sulcos da Sede

A folha que não caiu


O jovem e afoito monge budista pergunta ao velho e lento mestre:

- Mestre, o que é o Amor?

- É a folha que ainda não caiu do galho da cerejeira...

- Como assim, mestre? Se ainda não caiu, essa folha não existe –ao menos como folha caída...

- Também o Amor está sempre por fazer-se e nunca se completa.

- Mas a folha acaba caindo...

- Por isso o Amor é a folha que ainda não caiu do galho da cerejeira...


Wilson Bueno
Meu Bem, Meu Mal / Do amor índio e outros amores

Sonhos a Granel - Sylvia Cohin




Se ficas preso ao solo de teu chão,
Não saberás pra que te servem asas
Os sonhos tu não tocas com a mão
E o vôo será bem curto, em nuvens rasas...


Mas se me segues... Parto contigo ao léu
Até que tenhas asas pra voar...


Se voas... parte!


E ensina-me onde há sonhos a granel
E asas pra que eu possa revoar...

sábado, 21 de maio de 2011

Para Ti - Mia Couto

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

Chegar e ficar - Cecília Meireles




Chegar,
Como brisa que atravessa a janela.
Soprando de leve,
As brumas do passado.
Chegar,
Como o barco.
Trazendo alegrias,
Após enfrentar as procelas sombrias.
Chegar,
Como a saudade.
Que bate,
De manso, no coração.
Chegar,
Como Chuva, fininha,
Mansinha, criadeira,
Necessária e tão querida.
Ficar,
Nas lembranças do passado,
Nas estampas do presente,
A retratar nosso ontem no hoje.
Ficar,
Para sempre.
Na imagem nunca esquecida,
Dos que nos são tão queridos.
A vida,
É chegar e ficar,
Para sempre.
Vida nunca será partida.

terça-feira, 22 de março de 2011

Sobre Outono - Cézar Ubaldo


No outono,como canto da natureza,

todos se acolhem,

folhas se encolhem como a pele

do corpo e caem

pedindo à brisa que canta

sobre corpos entumecidos,

um pouco de luz-calor do dia,

imaginando nova estação

que habita em uma outra estação,

também no coração da gente

no ventre da vida

em oração de madrugadas

outonais

ao sibilar sinfônico dos ventos...

Cézar Ubaldo

Doce Mistério - Sylvia Cohin


Que mistério, doce lua

tem teu leito aconchegante?

que magia exibes nua

que fascina todo amante?

teu sorriso de menina,

de uma alvura inebriante,

se esparrama pela rua,

ilumina cada esquina...

tens um segredo guardado

em teus quartos sem parede,

como um raio prateado

enche de amor quem tem sede...

mas se acaso só refletes

uma luz que não é tua,

é dos amantes que vertes

o mistério que flutua...

Sylvia Cohin
12.06.2006

quinta-feira, 17 de março de 2011

Contos do Nascer da Terra - Mia Couto

Não é da luz do sol que carecemos.
Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e,
afinal, nós pouco aprendemos a ver.
O mundo necessita ser visto sob outra luz:
a luz do luar; essa claridade que cai com respeito e delicadeza.
Só o luar revela o lado feminino dos seres.
Só a lua revela intimidade da nossa morada terrestre.
Necessitamos não do nascer do Sol.
Carecemos do nascer da Terra.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Como Sonata - Cézar Ubaldo

Não quero nunca o teu silêncio.
Quero, sim, teu verbo solto
como a ave libertária
que sobrevoa os mares,
os montes, o ar
mesmo sem saber
o que é ser livre.
Quero a tua palavra
escrita, como documento,
ou falada,
soando nos meus ouvidos
como uma sonata
de Beethoven ou Bach...

domingo, 13 de março de 2011

Clarice Lispector

Só porque viver não é relatável.

Viver não é vivível.
Terei que criar a vida.
E sem mentir.
Criar sim, mentir não.
Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
 
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
   
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação. 

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

domingo, 23 de janeiro de 2011

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011